Desde pequena, eu costumava sentir os aromas vindo da cozinha quando ia visitar minha avó no interior de São Paulo. Ela era espanhola, e assimilou a culinária brasileira perfeitamente, resultando numa mescla de comida caseira brasileira temperada com uma pegada espanhola. Aquilo era um deleite! E se não era na casa da vovó Raquel, era na vovó Lulu. Ai, as estrelas na minha boca... Vovó era aquela cozinheira mineira tradicional, de mão cheia, que levava horas na cozinha, dias preparando banquetes incríveis! Das suas panelas me recordo, em especial, do leitãozinho à pururuca, do lombinho assado com batatas, daquele pudim de leite condensado... E como não?! As empadinhas de frango! Belo Horizonte me abraçava com tanto amor! Em tempo: Minha felicidade se desdobrava, pois mamãe bebeu da fonte das duas.
Pois bem. Dando um salto na conversa: Meu pai sempre usou bigode. E
barba. Sempre, desde que eu nasci. E eu acho que gostava. Era muito legal vê-lo
falar nas reuniões, nas aulas da Universidade (sim, eu era aquela que sempre
estava a tiracolo porque não tinha outro jeito), e passar os dedos na barba,
alisando-a, quase como um gesto de relaxamento. Acho que eu relaxava junto. Mas
o que mais me intrigava era vê-lo conversando com as pessoas amigas no bar. Mal
chegávamos e vinha o garçom, geralmente com uma tulipa de chopp, e ele sempre
pedia pra caprichar no colarinho. Eu ficava observando aquele gesto dele pegando
o copo cheio, observando as bolhinhas subindo, a espuma formada, e aqueles
dois, três goles grandes e consecutivos sorvendo quase metade do copo. Os olhos
até se fechavam pelo prazer que aquilo lhe dava. Então, ele voltava com o copo
para a mesa e voltava à conversa. Eu não tirava os olhos e seguia observando
porque, pra mim, o melhor estava por vir. Com o lábio inferior ele cobria parte
do bigode para sorver a espuma que a cerveja havia deixado ali.
Terceiro salto nesse texto (prometo que fará sentido no final!):
Já bem adulta, me encontrei na cozinha. Talvez até por uma falha de
caráter, me descobri cozinhando muito bem, e agradando paladares um tanto
quanto exigentes. Antes dos 30 nem ovo eu fritava! Mas foi uma vez, por uma
necessidade, quando percebi que a mágica estava ali ao meu alcance. Que com
minhas mãos, meu paladar e um tanto de ousadia, eu conseguia liberar aromas
incríveis pela cozinha! E digo “falha de caráter” porque uso isso para agradar
às pessoas. Será? Mas isso fica pra outro post...
Então, qual é o fio da meada?
Quero dizer que cozinha boa e cerveja boa são paixões, e ambas são
vividas através de afetos. Memória afetiva é o que nos move, é o que me faz ir
à cozinha 3 dias antes de receber meus melhores amigos em casa, começar a
preparar pratos que nunca fiz antes, ou que tenho como referência desde a
infância. Memória afetiva é o que me faz entrar sozinha em um bar de cervejas
especiais, passar um bom tempo namorando todos rótulos da casa e esperar
sentada à mesa, com a alegria de uma criança às vésperas de seu aniversário, aguardando
o primeiro gole. Aquele gole que traz tantas lembranças quanto sabores à boca,
aqueles aromas que me trazem a mesma emoção que me invade ao recordar as
cozinhas das minhas avós.
Cerveja e comida, afeto e paixão, saudade e presença, amizades ou não. Mergulho neste universo de sensações e prazeres e convido vocês a viverem essas histórias que contaremos por aqui.